LNAPL, Capilaridade, Crianças e o Manual do Mundo
É curioso como os conceitos que aprendemos durante um longo
tempo, de repente se juntam de maneira inesperada e nos fazem encarar o mundo
de uma nova forma. Em outras palavras, ocorre um insight.
Meu filho, de 4 anos, e meu sobrinho, de 5, adoram
brincar de fazer experiências, especialmente as que eles vêm nos vídeos do
Manual do Mundo, do Iberê Thenório (Tio Iberê, para eles). Recentemente
adquirimos o livro do Manual do Mundo, com 50 experiências para fazer em casa (que,
aliás, recomendo para todos que tenham filhos em idade escolar), e me deparei
com uma experiência simples, mas muito interessante.
Na mesma hora, lembrei de minhas aulas recentes de
Comportamento de Solos Não-Saturados, ministradas pelo professor Roger A.
Rodrigues, da FEB/UNESP, dos treinamentos sobre LNAPL ministrados pelo ITRC, das muitas aulas e palestras sobre Remediação
de Áreas Contaminadas que assisti, e percebi que essa experiência seria o jeito
mais fácil de explicar alguns fenômenos que observamos (ou não) no nosso dia a
dia.
A experiência consiste em tampar o fundo de um canudinho de
plástico comum e colocar nesse canudo, bem lentamente com um conta-gotas,
algumas gotas de água (com corante) alternadamente com algumas gotas de óleo. O
resultado é muito interessante por vários motivos: primeiro porque se não forem
adicionados lentamente, nem água nem óleo conseguem descer até o fundo do
canudo, mostrando que o ar deve ser expulso do poro para que água (ou óleo)
entre nele; segundo porque é mais difícil o óleo entrar no poro do que a água
(viscosidade, molhabilidade); terceiro (e principal) porque as camadas de óleo
e água se alternam, ou seja, em algumas partes do canudinho, a água fica acima
do óleo!!!!!!
Resultado da experiência
Livro do Manual do Mundo
Livro do Manual do Mundo
Esse efeito é surpreendente, pois espera-se que toda a água fique
na parte de baixo, pois é mais densa do que o óleo. No entanto, isso não ocorre
no canudo por causa da tensão superficial entre a água (e o óleo) e as paredes
do canudo, e a tensão superficial "ganha"da diferença de densidade. Se há tensão superficial suficiente na parede do canudo para
conseguir esse efeito, pode-se imaginar o que ocorre com LNAPL nos poros do
solo!!!!
Lembrei das aulas do professor Roger, que são destinadas
principalmente aos estudos de Geotecnia, mas que têm muita utilidade para
investigação e remediação de áreas contaminadas, pois elas mostram em detalhes
como é o comportamento dos fluidos em um meio pouco poroso, como é o caso dos
solos, particularmente na zona não saturada. Aprendi, entre muitas outras
coisas, que, para baixar 20% da umidade de um solo argiloso, é preciso aplicar
uma pressão muito elevada, porque os poros desse tipo de solo são muito menores
que os de um solo arenoso, acarretando em uma tensão superficial muito elevada,
que dificulta sobremaneira o movimento dos fluidos.
Lembrei também dos treinamentos do ITRC (entre outros
estudos, como do John Cherry, Beth Parker, Bob Clearly, entre outros) que
colocam por terra o “Pancake Model”, modelo tradicional para contaminações por
LNAPL que apregoam que o LNAPL fica “boiando” sobre o aquífero, todo ele acima
da água (que, por sua vez, estaria parada, como se estivesse em um aquário, e o
solo fosse somente um detalhe).
Mas o senso comum na nossa área ainda entende de maneira
muito forte que o LNAPL fica realmente “boiando” sobre o aquífero, portanto,
todo o óleo (ou gasolina, ou diesel, ou outro LNAPL) pode ser encontrado acima
da água subterrânea e basta succioná-lo ou bombeá-lo para que o aquífero fique
“isento de LNAPL”, portanto, “remediado”.
Mas não precisa ser nenhum John Cherry nem ler todos os
treinamentos do ITRC, nem mesmo ser usuário do software da API para perceber
que o “pancake model” está totalmente equivocado, e que a fase livre imiscível
(LNAPL ou mesmo DNAPL) está nos poros do solo intercalada com ar e água (na
zona não saturada) ou com água (na zona saturada), e que sua entrada ou saída
desses poros depende da tensão superficial, portanto, depende das
características dos fluidos e, fundamentalmente, depende do solo em que essas
todas essas fases estão inseridas. Em
resumo, a remediação terá seu fator limitante ligado às características do meio
em escala de detalhe, não no dimensionamento de uma bomba de anel líquido ou de
palheta. Mais uma vez percebe-se a importância de uma investigação adequada
para o eventual “sucesso” de uma remediação, se é que nossa tecnologia é mais
poderosa que as forças de van der Waals.
Para perceber isso, basta ler o Manual do Mundo, se divertir
e fazer algumas simples experiências com seus filhos e sobrinhos. Afinal, nem
só de Áreas Contaminadas vive um homem, não é mesmo?
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