Investigação de Áreas Contaminadas
Esse texto foi originalmente escrito para a Revista Pollution Engineering Brasil, em junho/2013. Como a revista foi descontinuada, vou republicar alguns textos aqui no Blog da ECD, com alguma revisão. Segue o texto, que trata da importância da Investigação dentro do processo de Gerenciamento de Áreas Contaminadas
Em outro texto [1], tratamos da importância da investigação para o processo de gerenciamento de uma área contaminada, em especial para a etapa de remediação. Nesse, pretendo detalhar alguns princípios para que essa investigação tenha a qualidade adequada.
Inicialmente, é preciso que todos os envolvidos no gerenciamento da área contaminada (Responsável Legal, Responsável Técnico, Poder Público) tenham muito claro que é preciso priorizar as etapas de investigação, ao invés de concentrar os recursos humanos, financeiros e tecnológicos na etapa de remediação.
O Responsável Legal (dono da área ou “dono do passivo”) tem que entender isso e exigir o mesmo de seu Responsável Técnico que, por sua vez, tem que direcionar seus melhores técnicos, equipamentos, ferramentas e recursos para o diagnóstico adequado da área de estudo. Havendo esse “amadurecimento” do mercado, certamente o Órgão Ambiental (e também o Poder Judiciário) irá olhar com outros olhos um trabalho que avance além do que é solicitado pelas leis, normas e procedimentos.
Isso ainda não ocorre no Brasil devido à concorrência entre as consultorias — estimulada pelos Responsáveis Legais — que priorizam o menor custo na investigação para poderem “ganhar” a remediação. Porém, se todos os envolvidos derem a ênfase necessária às etapas de diagnóstico, o principal objetivo será alcançado: reabilitar a área rapidamente e reduzir o risco à saúde humana para níveis aceitáveis. As novas exigências contempladas na DD 038/2017 da CETESB caminham nessa direção, e o “Mercado” passou, agora, em 2017, a se preocupar mais com isso, indo a reboque da exigência legal.
Dentro do foco na investigação, é fundamental que sejam utilizadas ferramentas de investigação de alta resolução, ou High Resolution Site Characterization (HRSC), que podem ser vistas em detalhe no site da EPA [2]. Essas ferramentas são necessárias porque os métodos tradicionais de coleta de dados (amostragem de solo e instalação de poços de monitoramento), embora estejam totalmente dentro das normas, possuem muitas incertezas associadas. Muitas vezes essas incertezas têm ordem de magnitude tal que inviabilizam uma tomada de decisão adequada [3]. Para ilustrar essas incertezas, podemos relatar dois exemplos:
A metodologia Direct Push (DP) com liner é a modalidade de amostragem de solo mais utilizada e recomendada no exterior, e considerada a mais representativa, tanto com a finalidade de realizar análises químicas quanto para realizar uma caracterização do meio físico (geológico e hidrogeológico) [4]. No Brasil, embora recomendada, é muito pouco utilizada, particularmente para a zona saturada, mas isso é outra história…
Para a caracterização do meio físico, a amostragem DP é extremamente dependente do profissional que está descrevendo as amostras em campo. As diferenças de interpretação tátil-visual levam a diferenças de até três ordens de magnitude [5]. Além disso, quase sempre existem variações em escala de centímetros nas camadas hidroestratigráficas que não são possíveis de detectar no liner. Por último, ainda existe uma limitação da ferramenta: é muito difícil recuperar amostras de solo na zona saturada, e essa amostragem abaixo do nível de água é fundamental para determinar zonas de fluxo e armazenamento, dimensionar projetos de remediação ou mesmo simplesmente posicionar a seção filtrante dos poços de monitoramento. É adequado tomar uma decisão baseada somente em dados com tantas incertezas?
Um segundo exemplo são os poços de monitoramento (PM). Imaginando um poço adequadamente instalado, sem problemas de projeto ou de execução, que tem, no mínimo, 1 metro de seção filtrante. Uma amostra de água coletada dele (excluindo-se também os erros nessa etapa) é uma média ponderada da concentração de todas as camadas hidrogeológicas que estão nesse 1,25 m (1,0 da seção filtrante e 0,25 m de pré-filtro acima do topo do tubo-filtro). É frequente a variação de condutividade hidráulica de até 4 ordens de grandeza nesse fragmento do aquífero [6], o que nos leva a outra pergunta: a concentração mensurada pelo laboratório é representativa? É possível tomar uma decisão baseada nesses dados?
Como medida para minimizar essas incertezas, podem ser utilizadas as HRSC, que coletam grande densidade de dados, propiciando a elaboração de um Modelo Conceitual mais sólido e uma tomada de decisão mais confortável. Algumas ferramentas têm como função principal realizar um diagnóstico muito detalhado do meio físico (perfil hidroestratigráfico, mapas de condutividade hidráulica, entre outros), outras priorizam o mapeamento das concentrações de compostos químicos de interesse. No primeiro grupo, que fornecem um entendimento excelente do meio físico, mas não fornecem informações sobre as concentrações, estão as ferramentas derivadas do Cone Penetration Test (CPT) [7] como o piezocone (CPTu), o piezocone de resistividade (RCPTu), o sensor de condutividade elétrica (EC), o HPT, o Vertical Profiler, o Slug Test Pneumático, entre outros. No segundo, que mapeiam espacialmente as concentrações, mas não fornecem informação sobre o meio físico, estão os equipamentos que funcionam pelo método LIF (Laser-Induced Fluorescence), como o UVOST, o famoso MIP e os cromatógrafos de campo. Muitas dessas estão disponíveis no Brasil (RCPTu, UVOST e MIP, pelo menos). Sobre o custo: é, com certeza, superior ao das ferramentas tradicionais, porém, se for calculado o custo por dado coletado, as ferramentas de alta resolução se tornam muito mais baratas. Além disso, qual é o custo de tomar uma decisão baseada em dados não confiáveis?
Então, para que a investigação tenha a qualidade necessária, é preciso que ela seja priorizada dentro do gerenciamento, que ela vá além do que é obrigatório, que a coleta de dados seja realizada pelo profissional mais qualificado da consultoria e que sejam utilizadas as ferramentas adequadas, de preferência de alta resolução. Só assim as decisões poderão ser tomadas baseadas em informações confiáveis e o processo de gerenciamento de uma área contaminada terá menor duração e menor custo econômico, social e ambiental.
[1] RIYIS, Marcos Tanaka. Por que as Remediações de Áreas Contaminadas Falham? Revista Pollution Engineering. Edição janeiro a março/2013. Pgs 24–25. Campinas-SP. Disponível em http://www.revistape.com.br/edicao/edicao-jan-a-mar2013/?integracoes=2
[2] United States Environmental Protection Agency — Contaminated Site Clean-Up Information (CLU-IN). High Resolution Site Characterization. http://clu-in.org/characterization/technologies/hrsc/
[3] RIYIS, Marcos Tanaka. Investigação de Alta Definição com Tomada de Decisão em Campo no Município de Bauru-SP. Apresentação Realizada no VIII Seminário Internacional sobre Remediação e Revitalização de Áreas Contaminadas em 22/10/2012. São Paulo-SP
[4] CETESB — Companhia Ambiental do Estado de São Paulo. Procedimento para Identificação de Passivos Ambientais em Estabelecimentos com Sistema de Armazenamento Subterrâneo de Combustíveis (SASC). São Paulo-SP. 2006.
[5] AHLERS, Rick. Key Elements of HRSC. Apresentação realizada na North American Environmental Field Conference. Tampa, FL. 2012
[6] WELTY, Nicklaus. Permeability Mapping: Strategy and Methods. Apresentação realizada na North American Environmental Field Conference. Tampa, FL. 2012
[7] United States Environmental Protection Agency — Contaminated Site Clean-Up Information (CLU-IN). DirectPush Geotechnical Sensors. http://clu-in.org/characterization/technologies/dpgeotech.cfm
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